Espaço dual

Em matemática, qualquer espaço vetorial V {\displaystyle V} sobre um corpo K {\displaystyle \mathbb {K} } pode ser associado a um espaço dual, denotado V {\displaystyle V'} , consistindo dos funcionais lineares f : V K {\displaystyle f:V\to \mathbb {K} \,} . Quando V {\displaystyle V} é um espaço vetorial topológico, considera-se também o espaço V {\displaystyle V^{*}} dos funcionais lineares contínuos, chamado espaço dual topológico. Nesse caso, geralmente o espaço dual V {\displaystyle V'} é chamado de espaço dual algébrico .

A existência de um espaço vetorial 'dual' reflete de uma maneira abstrata a relação entre os vetores linha (1×n) e os vetores coluna (n×1) de uma matriz. A construção pode se dar também para os espaços infinito-dimensionais e dá lugar a modos importantes de ver as medidas, as distribuições e o espaço de Hilbert. O uso do espaço dual é, assim, de uma certa maneira, recurso da análise funcional. É também inerente à transformação de Fourier.

Espaço dual algébrico

O espaço dual é um espaço vetorial

O espaço dual de um espaço vetorial V {\displaystyle V\,} sobre um corpo K {\displaystyle \mathbb {K} } é costumeiramente denotado V {\displaystyle V'\,} ou V {\displaystyle V^{*}\,} e também é um espaço vetorial sobre o mesmo corpo uma vez definida as operações de soma e multiplicação por escalar como:

( ϕ + ψ ) ( x ) = ϕ ( x ) + ψ ( x ) {\displaystyle (\phi +\psi )(x)=\phi (x)+\psi (x)\,}
( λ ϕ ) ( x ) = λ ϕ ( x ) {\displaystyle (\lambda \phi )(x)=\lambda \phi (x)\,}

Para todo ϕ , ψ {\displaystyle \phi ,\psi } em V {\displaystyle V^{*}} , λ {\displaystyle \lambda } em K {\displaystyle \mathbb {K} } e x {\displaystyle x} em V {\displaystyle V} .

Caso de dimensão finita

Se V {\displaystyle V\,} é um espaço vetorial de dimensão finita, então V {\displaystyle V^{*}\,} tem a mesma dimensão de V {\displaystyle V\,} . Seja B = { e 1 , . . . , e n } {\displaystyle {\mathcal {B}}=\{e_{1}\,,...\,,e_{n}\}} uma base de V {\displaystyle V} , então a base dual é dada pelo conjunto B = { f 1 , . . . , f n } {\displaystyle {\mathcal {B}}^{*}=\{f_{1}\,,...\,,f_{n}\}} onde:[1]

f i ( e j ) = { 1 , se  i = j 0 , se  i j {\displaystyle \mathbf {f} _{i}(\mathbf {e} _{j})=\left\{{\begin{matrix}1,&{\mbox{se }}i=j\\0,&{\mbox{se }}i\neq j\end{matrix}}\right.}
Prova

Primeiramente, veja que f {\displaystyle f} é linear. Sejam x , y V {\displaystyle x,y\in V} tais que x = α 1 e 1 + + α n e n {\displaystyle x=\alpha _{1}e_{1}+\dots +\alpha _{n}e_{n}} e y = β 1 e 1 + + β n e n {\displaystyle y=\beta _{1}e_{1}+\dots +\beta _{n}e_{n}} (ou seja, f i ( x ) = α i {\displaystyle f_{i}(x)=\alpha _{i}} e f i ( y ) = β i {\displaystyle f_{i}(y)=\beta _{i}} ). Logo, x + λ y = ( α 1 + λ β 1 ) e 1 + + ( α n + λ β n ) e n {\displaystyle x+\lambda y=(\alpha _{1}+\lambda \beta _{1})e_{1}+\dots +(\alpha _{n}+\lambda \beta _{n})e_{n}} e f i ( x + λ y ) = α i + λ β i = f i ( x ) + λ f i ( y ) {\displaystyle f_{i}(x+\lambda y)=\alpha _{i}+\lambda \beta _{i}=f_{i}(x)+\lambda f_{i}(y)} . Portanto, f i V {\displaystyle f_{i}\in V^{*}} para i = 1 , 2 , , n {\displaystyle i=1,2,\dots ,n} .

Além disso, suponha que λ 1 f 1 + + λ n f n = 0 V {\displaystyle \lambda _{1}f_{1}+\cdots +\lambda _{n}f_{n}=0\in V^{*}} . Aplicando esse funcional nos vetores da base de V {\displaystyle V} sucessivamente, conclui-se que λ 1 = λ 2 = = λ n = 0 {\displaystyle \lambda _{1}=\lambda _{2}=\dots =\lambda _{n}=0} (o funcional aplicado em e i {\displaystyle e_{i}} resulta em λ i {\displaystyle \lambda _{i}} ). Portanto, B {\displaystyle {\mathcal {B}}^{*}} é linearmente independente em V {\displaystyle V^{*}} .

Por fim, considere g V {\displaystyle g\in V^{*}} . Então

g ( x ) = g ( α 1 e 1 + + α n e n ) = α 1 g ( e 1 ) + + α n g ( e n ) = f 1 ( x ) g ( e 1 ) + + f n ( x ) g ( e n ) {\displaystyle g(x)=g(\alpha _{1}e_{1}+\dots +\alpha _{n}e_{n})=\alpha _{1}g(e_{1})+\dots +\alpha _{n}g(e_{n})=f_{1}(x)g(e_{1})+\dots +f_{n}(x)g(e_{n})}

B {\displaystyle {\mathcal {B}}^{*}} gera V {\displaystyle V^{*}} . Portanto, B {\displaystyle {\mathcal {B}}^{*}} é base de V {\displaystyle V^{*}} .

Exemplos

Se a dimensão de V {\displaystyle V\,} é finita, então V {\displaystyle V^{*}\,} tem a mesma dimensão que V {\displaystyle V\,} ; se { e 1 , . . . , e n } {\displaystyle \{e_{1}\,,...\,,e_{n}\}} é uma base para V, então a base dual associada { e 1 , . . . , e n } {\displaystyle \{e^{1}\,,...\,,e^{n}\}} de V {\displaystyle V^{*}\,} é dada por:

e i ( e j ) = { 1 , se  i = j 0 , se  i j {\displaystyle e^{i}(e_{j})=\left\{{\begin{matrix}1,&{\mbox{se }}i=j\\0,&{\mbox{se }}i\neq j\end{matrix}}\right.}

Específicamente, se é interpretado R n {\displaystyle \mathbb {R} ^{n}} como espaço de colunas de n {\displaystyle n} números reais, seu espaço dual é escrito tipicamente como o espaço de linhas de n {\displaystyle n} números. Tal linha atua em R n {\displaystyle \mathbb {R} ^{n}} como funcional linear pela multiplicação ordinária de matrizes.

Duplo dual algébrico

Dado um espaço vetorial V {\displaystyle V} , sempre podemos considerar seu duplo dual V = d e f ( V ) {\displaystyle V''{\overset {\underset {\mathrm {def} }{}}{=}}(V')'} , que consiste em todos os funcionais lineares f : V K {\displaystyle f:V'\to \mathbb {K} } . Existe um homomorfismo canônico entre V {\displaystyle V} e V {\displaystyle V''} , ou seja, existe uma transformação V V {\displaystyle V\to V''} , definida por

J : V V v f v : V K ϕ ϕ ( v ) {\displaystyle {\begin{alignedat}{3}J:V&\to V''&&&&\\v&\mapsto f_{v}:V'&&\to \mathbb {K} &&\\&\qquad \qquad \phi &&\mapsto \phi (v)&&\\\end{alignedat}}}

que é linear. Além disso, J {\displaystyle J} é sempre injetora e é um isomorfismo entre os espaços vetoriais V {\displaystyle V} e R a n J {\displaystyle \mathrm {Ran} \,J} . Note, porém, que em geral R a n J V {\displaystyle \mathrm {Ran} \,J\neq V''} ; de outro modo, pode ser que existam f V {\displaystyle f\in V''} tais que f f v {\displaystyle f\neq f_{v}} para todo v V {\displaystyle v\in V} .

Espaço dual topológico

Quando se tem, além da estrutura de espaço vetorial, uma topologia compatível com as operações de soma e multiplicação por escalar (espaço vetorial topológico), os funcionais lineares mais interessantes passam a ser os contínuos. O conjunto dos funcionais lineares contínuos, chamado de espaço dual topológico (ou simplesmente espaço dual) e denotado V {\displaystyle V^{*}} , é um subespaço do espaço dual algébrico V {\displaystyle V'} .

Dados φ V {\displaystyle \varphi \in V^{\ast }} e v V {\displaystyle v\in V} , algumas vezes usamos a notação φ , v V , V {\displaystyle \langle \varphi ,v\rangle _{V^{\ast },V}} ou simplesmente φ , v {\displaystyle \langle \varphi ,v\rangle } ao invés de φ ( x ) {\displaystyle \varphi (x)} . A notação , V , V {\displaystyle \langle \cdot ,\cdot \rangle _{V^{\ast },V}} é conhecida como par dualidade entre V {\displaystyle V^{\ast }} e V {\displaystyle V} .

O espaço dual de um espaço de Hilbert é isomórfico ao próprio espaço

Seja H {\displaystyle H\,} um espaço de Hilbert. O teorema da representação de Riesz afirma que ϕ {\displaystyle \phi \,} é um funcional linear contínuo se, e somente se, existe um z H {\displaystyle z\in H\,} tal que

ϕ ( x ) = z , x ,     x H {\displaystyle \phi (x)=\langle z,x\rangle ,~~\forall x\in H\,} .

Duplo dual topológico

Dado um espaço vetorial normado X {\displaystyle X} , sempre podemos considerar seu duplo dual X = d e f ( X ) {\displaystyle X^{**}{\overset {\underset {\mathrm {def} }{}}{=}}(X^{*})^{*}} , que consiste em todos os funcionais lineares contínuos f : X K {\displaystyle f:X'\to \mathbb {K} } . Existe um homomorfismo canônico entre X {\displaystyle X} e X {\displaystyle X^{**}} , ou seja, existe uma transformação X X {\displaystyle X\to X^{**}} , definida por

J : X X x f x : X K ϕ ϕ ( x ) {\displaystyle {\begin{alignedat}{3}J:X&\to X^{**}&&&&\\x&\mapsto f_{x}:X^{*}&&\to \mathbb {K} &&\\&\qquad \qquad \phi &&\mapsto \phi (x)&&\\\end{alignedat}}}

que é linear. Além disso, J {\displaystyle J} é sempre injetora, limitada e isométrica ( J x = x {\displaystyle \lVert Jx\rVert =\lVert x\rVert } ), este último fato sendo uma consequência do teorema de Hahn-Banach. Por isso, J {\displaystyle J} é um isomorfismo entre os espaços normados X {\displaystyle X} e R a n J {\displaystyle \mathrm {Ran} \,J} . Note, porém, que em geral R a n J X {\displaystyle \mathrm {Ran} \,J\neq X^{**}} ; de outro modo, pode ser que existam f X {\displaystyle f\in X^{**}} tais que f f x {\displaystyle f\neq f_{x}} para todo x X {\displaystyle x\in X} .

Caso valha, de fato, que R a n J = X {\displaystyle \mathrm {Ran} \,J=X^{**}} , o espaço X {\displaystyle X} é dito ser reflexivo. Exemplos de espaços reflexivos são os espaços de Hilbert e os de dimensão finita.[2]

Referências

  1. Bueno, Hamilton Prado (2006). Álgebra Linear - um segundo curso. [S.l.]: SBM. ISBN 858581831X 
  2. Kreyszig, Erwin (1989). Introductory Functional Analysis with Applications. [S.l.]: John Wiley & Sons 


Ligações externas

  • v
  • d
  • e
Tópicos relacionados com álgebra linear
Conceitos básicos
Matrizes
Álgebra linear numérica